quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

No primeiro dia do ano, sobre Iemanjá...

Li agora de manhã, no blog “História em projetos” (http://historiaemprojetos.blogspot.com/), um texto interessante, que trata dos “ritos” ou “rituais” de Ano Novo. Reproduzo abaixo alguns trechos:

(...)
No Brasil, os rituais contemporâneos exigem a presença de água, o que é, sobretudo, uma incorporação de ritos de cultos afros, com as oferendas à Iemanjá, a grande mãe (mãe de todos os orixás), que na mitologia africana é a Rainha do Mar e a Deusa do Amor, chamada também de Dona Janaína, Sereia do Mar, Princesa do Mar, Inaê, Mucunã e é também considerada a Rainha das Bruxas.
Porém no sincretismo religioso brasileiro Iemanjá é Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Piedade, Virgem Maria, Nossa Senhora de Candeias (que também é Oxum!), Nossa Senhora dos Navegantes, cuja data oficial é 2 de fevereiro, mas em 31 de dezembro (réveillon) Iemanjá é a grande cultuada e recebe em geral oferendas que servem à sua vaidade (ela é muito vaidosa!), tais como espelhos, sabonetes, pentes, pulseiras, colares, coroas, velas, perfumes e flores.
Iemanjá no Brasil é cultuadíssima nas cidades portuárias, por reinar sobre as águas e proteger a pesca e pescadores, todavia se constituiu num mito-fenômeno de grande poder de aglutinação e credibilidade, pois quem nela crê diz que ela leva, num passe de mágica, todos os problemas para o fundo do mar.
Não à-toa, para muita gente, em nosso país, celebrar o Ano Novo só pode ser na praia! Quando a celebração ocorre em águas doces as oferendas devem ser pra Oxum, dotada de grande poder de sedução e Rainha das Águas Doces. Mas em geral ninguém lembra... E por todo lado o que se ouve é:
"Iemanjá é a rainha do marIemanjá é a rainha do marSalve o povo de aruandaSalve meu Pai OxaláSalve Oxóssi, salve os guiasSalve Ogum Beira MarIemanjáIemanjá é a rainha do marIemanjá é a rainha do marVai ter festa na aruandaVai ter reza no CantuáVai ter gira a noite inteiraE muitas flores no marIemanjá".
Iemanjá, sabe-se que é uma "Deusa da nação de Egbé, nação esta Ioruba onde existe o rio Yemojá (Iemanjá). Orixá muito respeitada e cultuada é tida como mãe de quase todos os Orixás. Por isso a ela também pertence a fecundidade."
Oxum é "Nome de um rio na Nigéria, em Ijexá e Ijebú. Segunda mulher de Xangô, deusa do ouro, riqueza e do amor. A Oxum pertence o ventre da mulher e ao mesmo tempo controla a fecundidade, por isso as crianças lhe pertencem. Dona dos rios e cachoeiras gosta de usar colares, jóias, tudo relacionado à vaidade, perfumes, etc".
(...)
Foi para Iemanjá que Edu Lobo e Vinicius de Moraes compuseram "Arrastão", celebrizada na voz de Elis Regina, que conquistou o 1º. lugar no I Festival de Música Popular Brasileira (1965):

Arrastão
Edu Lobo e Vinicius de Moraes

Eh, tem jangada no mar
Eh, eh, eh, hoje tem arrastão
Ê, todo mundo pescar
Chega de sombra João
Jovi, olha o arrastão entrando no mar sem fim
Ê meu irmão me traz Yemanjá pra mim

Minha Santa Bárbara
Me abençoai
Quero me casar com Janaína
Eh, puxa bem devagar
Eh, eh, eh já vem vindo o arrastão
Eh, é a rainha do Mar
Vem, vem na rede João
Pra mim
Valha-me Deus Nosso Senhor do Bonfim
Nunca, jamais se viu tanto peixe assim ...

Antonio Risério, no artigo "O ano-novo de Iemanjá" (2007), assim se expressou: "O que aconteceu com Iemanjá, no Brasil, é muito, muito interessante. Ela chegou em terras (e águas, claro) brasileiras aí pela segunda metade do século 18, trazida por negros nagôs – naquela época, vendidos, em boa parte, à Bahia, pelos reis do Daomé.
Mas, ainda nas décadas de 1920 e 1930, no Brasil, um poema sobre Iemanjá era tido – em nossos ambientes sociais economicamente mais privilegiados – na conta de coisa exótica, regionalismo, "pesquisa folclórica". Uma canção antiga de Caymmi – "a alodê Iemanjá oeá" – deveria soar, e soava, para determinados públicos, com algo estranho, distante. Como uma espécie qualquer de mistério remoto.
Hoje, o que a gente vê é coisa totalmente diferente. Todo mundo sabe quem é Iemanjá. Porque houve uma mudança enorme, uma transformação nas estruturas da sensibilidade brasileira. Uma mudança nas relações existentes no interior do conjunto de nossa configuração cultural. Os orixás passaram a povoar, inclusive, o cantão da assim chamada 'cultura superior'. Terreiros começaram a ser tombados, como bens preciosos do povo brasileiro, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Etc. E, no ano novo, levas e levas de brasileiros seguem para as praias, para, de algum modo, falar com a deusa do mar."
E prossegue: "É claro que a Iemanjá brasileira não é mais, exatamente, a Iemanjá africana. Nem poderia ser. A brasileira é brasileira, assim como a cubana é cubana. Mas a matriz, o desenho básico e profundo, está lá, na África. E é ela que atrai multidões para a beira do mar, no ano-novo. A Grande Mãe, com seu axé assentado sobre conchas e pedras marinhas. É ela que faz parte do rito de passagem de ano. Quando todos parecem pedir o recomeço, o renascimento, um novo começo da vida e do mundo."
(...)

Autora: Fátima Oliveira (médica, escritora, especialista em bioética e saúde da população negra e militante da causa negra e das mulheres).
E-mail: fatimaoliveira@ig.com.br
Fonte do texto: Portal Mário Lincoln

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