sábado, 20 de agosto de 2011

A recepção da obra de arte em tempos de censura: O que nos ensina a peça Que farei com este livro?, de José Saramago

 Já está disponível no site da Revista Interfaces (Programa de Pós-graduação em Letras - Unicentro - PR) um texto meu a respeito da peça Que farei com este livro?, de José Saramago. Para acessá-lo, basta clicar em:

http://revistas.unicentro.br/index.php/revista_interfaces/article/view/1272/1180

e depois em "clique aqui". Segue abaixo o resumo do trabalho:


A recepção da obra de arte em tempos de censura: O que nos ensina a peça Que farei com este livro?, de José Saramago
Prof. Dr. Cláudio de Sá Capuano (UFRRJ)

Resumo

Escrita em 1980, Que farei com Este Livro?, peça de José Saramago, apresenta-nos o homem Luís de Camões, antes da publicação de Os Lusíadas, tentando romper as barreiras para ver seu livro publicado. Uma das questões desenvolvidas na peça é a necessidade de se adaptar, à censura, as exigências da escrita. Este artigo discute exatamente isso, estabelecendo uma discussão sobre o papel da censura como elemento
de coerção da escrita. Semelhante abordagem recai sobre o papel do próprio autor, ao escrever o livro.

domingo, 10 de julho de 2011

Nós também somos ibéricos - vídeo

O video é a minha fala no Congresso Associação Internacional de Estudos Galegos, realizado em julho de 2009 ns universidades de Santigo de Compostela, Vigo e A Coruña, Galiza, Espanha. A mesa - Os estudios Galegos nas Américas: Estudios de Literatura Galega no Brasil - foi mediada pela professora Maria do Amparo Maleval, que abriu as apresentações,  e contou também com as apresentações de Caroline Reis, Lenora Mendez, Cláudio Capuano e Carmen Figueiredo.
Para assistir ao vídeo, basta clicar no título da postagem.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Os supostos erros no livro recomendado pelo MEC: só mais uma pequena opinião...


 Já meio ultrapassado, o tema me voltou à mente hoje, depois que recebi um email apontando o problema ortográfico que está estempado na capa de O Globo de hoje: http://pixhost.info/pictures/1844640
 A polêmica sobre o livro didático  que supostamente ensina o erro... Segue abaixo um pequeno texto meu, postado no ICHS em foco (http://ichsemfoco.blogspot.com/p/opiniao.html), blog do instituto em que trabalho, na UFRRJ:


Cabe hoje ao jornal muito mais informar que noticiar, ainda que muitas vezes informe noticiando. É que pela internet, em tempo real, fica-se sabendo o que aconteceu, acessando-se páginas de notícias de qualquer parte do mundo, com muito mais eficiência que qualquer jornal impresso. Imaginem a cobertura de um conflito, como uma Segunda Grande Guerra, com cobertura on-line, 24 horas por dia...
A questão é que, se a internet rouba ao jornal sua missão primeira de noticiar, ela também abriga inúmeras possibilidades para o debate de ideias. O melhor exemplo talvez seja o espaço reservado ao fim de cada matéria para que o leitor opine. Juntem-se a isso as inúmeras redes de relacionamento disponíveis, entre outros meios de divulgação on-line, e perceberemos que são a simultaneidade e a velocidade duas das mais contundentes e contemporâneas características da web.
Essa já extensa preleção prepara o meu espírito para um breve comentário a respeito de uma polêmica que, como praticamente tudo no nosso tempo, mal aparece e já é relegada a segundo plano. Não sei como tudo começou, mas acredito que foi a partir de uma pequena notícia de que o MEC gastou dinheiro para comprar e adotar um livro que ensina erros de Português. Erro de português para mim, que me dedico a literatura, foi o que fizeram nossos antepassados lusos: em vez de se despirem, vestiram os índios, como bem escreveu em versos Oswald de Andrade há quase cem anos. Entre “tupy” ou “not tupy”, ficamos com a segunda opção. Se tivéssemos aceitado a primeira, o MEC certamente seria acusado hoje de querer ensinar erros de tupi-guarani...
Talvez na ânsia de verem suas opiniões publicadas, gente famosa, seja por seu efetivo valor acadêmico, seja porque estejam inseridos na máquina publicitária dos grandes grupos editoriais, esbravejaram por escrito. O mesmo caminho seguiu o senso comum, nas inúmeras “correntes cibernéticas” de indignação. O que fica claro é que, pela argumentação (coerente ou caótica) desses textos, há sempre o mesmo equívoco: a falta de leitura. Um dos últimos artigos que li a esse respeito foi do poeta Ferreira Gullar (já nem me lembro onde). Ele, pelo menos, assume, no fim do texto, que não leu o capítulo do referido livro... Eu então me pergunto: o que leva as pessoas a emitirem opinião sobre o que não leram e que, na maior parte dos casos, nem mesmo é de seu conhecimento específico? Pior: por que elas fazem isso sem ao menos tentar se informar? Faço tais perguntas por ter lido muito insistentes repetições de informações que não procedem. Exemplo: “o MEC adotou o livro”. O MEC não adota livros, apenas os recomenda e compra para as escolas que escolherem a obra recomendada. O livro ensina a escrever/falar errado? Valoriza o erro em detrimento do acerto? Uma leitura superficial do primeiro capítulo do tal material didático mostra que não. O texto aborda de forma até bastante tradicional vários itens da gramática portuguesa... Certo ou errado são conceitos que há décadas não se aplicam aos estudos de expressão linguística, pelo simples fato de que há muitas situações em que variantes regionais, diastráticas ou diafásicas são mais adequadas do que a variante padrão, para o efetivo estabelecimento do processo comunicativo.
Por acaso isso quer dizer que se deve valorizar o desvio em relação ao padrão culto da língua no ensino? Claro que não. Qualquer professor de Português sabe que a sua disciplina tem por alvo maior o trabalho exaustivo com uma das possibilidades de variação, justamente a norma culta da língua. Isso também não quer dizer que seja possível ou produtivo lidar com a língua padrão negligenciando as diversas possibilidades expressivas. A questão me parece é que quem opina sem conhecimento de causa não tem como avaliar que há uma abismal diferença entre o português que, por exemplo, crianças como os meus filhos falam em casa ou na rua desde que nasceram e aquele utilizado por crianças carentes. Eles aprenderam a falar em uma família que há três gerações pelo menos teve acesso à escola, tendo alguns de seus ascendentes completado o ensino superior. A relação que eles têm com o nosso idioma, na variante padrão trabalhada na escola, é muito mais natural do que a de um garoto cuja família (há família?) nunca teve oportunidade de ter uma escolaridade mínima. A relação que crianças como essas, ainda maioria no Brasil, estabelecem com o português padrão é comparável com a que pessoas como eu ou os meus filhos estabelecemos ao aprender uma língua estrangeira. Talvez eles tenham até mais dificuldades, devido à evidente proximidade entre a norma culta e a popular. Se o aluno, por sua vez, for jovem ou adulto, o processo de aprendizado do padrão é ainda mais dificultoso...
Independente de qualquer outro aspecto, o que me parece que ficou de fora desse debate é que escrever bem não é apenas redigir textos sem equívocos ortográficos ou de concordância, por exemplo. Um texto claro envolve, no seu processo de elaboração, uma complexidade de operações linguísticas muito mais ampla. Desenvolver esse tipo de competência no uso falado ou escrito da língua, dentro da norma culta, é que é tarefa árdua, até para os que adquiriram a língua materna na sua variante padrão. Ensinar o idioma materno na escola vai muito além de simplesmente decorar ortografia, bem ao gosto dos soletrandos televisivos. É um processo denso, uma via de mão dupla entre leitura em diversos níveis de complexidade e práticas de escrita. Só assim o texto pode ser produzido com informatividade, clareza e adequação ao padrão. É algo tão problemático que, mesmo escolas de alto nível das mais desenvolvidas cidades brasileiras, devolvem à sociedade, após doze anos de ensino fundamental e médio, jovens que não conseguem se expressar minimamente por escrito. Como poderão ser considerados leitores (ainda que incipientes) da sociedade em que vivem?

terça-feira, 22 de março de 2011

Caim - o último romance de José Saramago

 Eu já havia postado aqui o link da resenha do livro Caim, que escrevi em 2009 e publiquei na revista Palimpsesto (da pós-graduação em Letras da UERJ). Agora, relendo trechos do livro e a  própria  resenha, apresento abaixo o texto na íntegra:

Capa da edição brasileira de Caim.



REVISITANDO HISTÓRIAS BÍBLICAS: CAIM, DE JOSÉ SARAMAGO


A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.
(Saramago, 2009, p. 88)

Caim é o que odeia deus (p. 142).


Após dezessete anos da publicação de O Evangelho segundo Jesus Cristo, o  escritor português José Saramago retomou um tema criado a partir do evangelho: Caim. Publicado no segundo semestre de 2009, o livro é um romance, no qual, por meio da figura do primeiro filho do primeiro casal humano, somos confrontados não só com o tema, mas também com os posicionamentos em relação aos preceitos religiosos de base judaica do nosso prêmio Nobel de 1998.
A leitura de Caim é fluida, agradável, instigante. Nela nos deparamos com uma história, cujo princípio coincide com início da Bíblia. Nos dois primeiros capítulos, ali estão Adão e Eva às voltas com a incipiência do existir. Ganham a fala, comem do fruto proibido, perdem o direito de estar no paraíso. Uma vez expulsos, são informados por um querubim, de que não são os únicos humanos sobre a Terra.
É só no terceiro capítulo que aparecem Caim e Abel. De breves referências à infância comum dos dois, chega-se à situação do assassinato. Tendo suas oferendas a Deus sistematicamente rejeitadas, Caim, tomado pela ira e pela inveja, arma uma cilada e mata o irmão. Dá-se o primeiro dos inúmeros encontros entre o personagem e Deus. Em todos, configuram-se desentendimentos gerados por absoluta diferença de pontos de vista. Se Deus se indigna com o ato do personagem contra o irmão, ele se defende dividindo com o próprio Deus a sua responsabilidade. Tivesse ele aceitado os seus sacrifícios, os únicos que ele poderia oferecer, e não teria ocorrido o fratricídio.
Não há no livro um único posicionamento crítico em relação às incoerências do texto bíblico, assim nos apresentado pela voz de um narrador em terceira pessoa, que seja novidade para quem acompanhe minimamente a trajetória literária de José Saramago. No romance, Caim tem um constante confronto ideológico com Deus. Enquanto este é o tirano-vingador, capaz de trucidar populações inteiras, sem poupar nem crianças, aquele é o leitor cético dos tempos bíblicos, cujos pensamentos, quando não são por ele mesmo verbalizados, o são constantemente pelas palavras do narrador, eco anacrônico da voz do presente no pensamento do personagem.
Como o Caim bíblico, o do romance é marcado por Deus e condenado a errar indefinidamente. Pode-se extrair, contudo, justamente do tipo de errância empreendida pelo personagem o que há de realmente notável no romance. Se o Caim bíblico será condenado a errar pelo mundo, o de Saramago erra pelos tempos... bíblicos. Por um mecanismo de natureza fantástica, o personagem se vê diante de fronteiras temporais. Ao cruzá-las, transforma-se em testemunha ocular de episódios do Antigo Testamento.
O primeiro lugar a que chega é a terra de Noh. Ali reina Lilith, figura ausente no Evangelho. Poderosa e sedutora, Lilith leva para a sua cama os homens que deseja, para usá-los e destruí-los. Alertado dos perigos que lhe podem advir de um encontro com a mulher, o jovem Caim obviamente não consegue lhe passar despercebido. Lilith percebe o jovem trabalhador, sujo pelo ofício de pisar o barro, e o convoca ao palácio. A cena que antecede o primeiro encontro íntimo dos dois é emblemática e guarda um aspecto de que podemos nos utilizar para ler Caim: a constante passividade subitamente interrompida por atos bruscos.
Imundo, o personagem é levado até a senhora da cidade. Antes é preparado para o encontro. Amas o lavam por completo. Caim, como em diversos outros momentos da narrativa, deixa-se ficar, passivo, expectador dos acontecimentos. Igualmente passivo ele se manterá, mesmo quando elas, ao se deterem no seu sexo, provocam-lhe ereção e ejaculação. É quando subitamente se dá conta do que foi fazer ali.
Somente na presença de Lilith é que ele sairá do estado de passividade. O jovem que desperta o desejo da senhora de Nod, o assassino do irmão, é também o homem casto, pela primeira vez unido sexualmente a uma mulher. Caim revela-se tão vigoroso no ato sexual que se diferencia dos outros homens com quem Lilith esteve. Contrariando o usual, o personagem permanece na cidade como seu preferido.
Caim naturalmente desperta ciúmes em Noah, marido de Lilith, que trama a sua morte. O personagem, porém, leva na testa a proteção de Deus, sob a forma de um sinal negro. Lilith vinga-se dos escravos envolvidos na emboscada, mas poupa o marido. Caim, por sua vez, revela-lhe toda a sua história. Mesmo sabendo que a mulher engravidara, o primogênito de Adão parte de Nod.
A partir desse momento, inicia-se o trânsito do personagem pelos tempos bíblicos. Não há, contudo, um respeito cronológico aos acontecimentos. O primeiro encontro de Caim é com Abraão, que está prestes a sacrificar a Deus o filho Isaac. O personagem se antecipa ao anjo, impede o ato e reprova tanto a atitude de Abraão quanto a de Deus, que exigira tal sacrifício. Em um segundo encontro com Abraão, Caim o encontrará mais novo, antes do nascimento do filho, e se envolverá no episódio da destruição de Sodoma. Há nesse momento uma primeira referência à morte indiscriminada de pecadores e inocentes na cidade, sobretudo de crianças.
Na sua errância – quer seja no encontro com Moisés ou Josué, quer seja por assistir aos sofrimentos de Job – Caim passa a confrontar o seu único crime, o fratricídio, aos inúmeros desmandos cometidos por Deus, em nome de por à prova o seu próprio poder, com toda a falta de propósito que isso possa encerrar.
Antes do último encontro, com Noé, Caim retorna a Nod e se reencontra pela última vez com Lilith. Lá sabe do nascimento do filho e da morte de Noah. Antes de morrer, o marido de Lilith dera à cidade o nome de seu filho: Enoch.
O último episódio do livro envolve Noé, Caim e Deus. O personagem vê a construção da arca e nela toma lugar quando acontece o dilúvio. A embarcação será o surpreendente palco da batalha final entre Caim e o criador.
Mesmo se lermos o romance como romance, a ficção como ficção, o que por si só esvaziaria qualquer discussão de ordem religiosa, não é possível deixar de perceber um interessante ponto de vista exposto no romance. Há a defesa de uma ética, de uma retidão de conduta, reveladas pela coerência de atitudes tanto do protagonista, quanto de Lilith, apesar de ambos terem uma trajetória marcada por atitudes reprováveis do ponto de vista religioso.
Muito pouco nos informa a Bíblia a respeito de Caim. Após matar o irmão, segue para o desterro. Dele só se sabe que deixou descendência a partir do filho Enoch, unido a uma mulher não nomeada.
Símbolo da mulher que age, Lilith assume no livro o lugar da esposa de Caim, mãe de Enoch. A união de ambos revela ao leitor ser possível, partindo de histórias moralmente condenáveis, manter uma dignidade que sobrepõe tais tipos de valores. A Lilith do livro de José Saramago é o que é. É digna justamente por não se envergonhar de sua natureza. Revela-se inclusive capaz de amar um homem, independentemente de seus erros.
Caim é o fratricida, autor do primeiro e terrível crime da humanidade. Por isso cumpre a pena de jamais ter pouso, de jamais poder estar em paz. Assim lemos no livro, no qual os nomes próprios são sempre grafados em minúsculas: “para caim nunca haverá alegria, caim é o que matou o irmão, caim é o que nasceu para ver o inenarrável”(p. 142).
O personagem, no entanto, guarda em si uma pureza, uma ingenuidade que lhe faz grande e forte diante de Deus:

Apesar de assassino, caim é um homem intrinsecamente honesto, os dissolutos dias vividos em contubérnio com lilith, ainda que censuráveis do ponto de vista dos preconceitos burgueses, não foram bastantes para perverter o seu inato sentido moral da existência, haja vista o corajoso enfrentamento que tem mantido com deus, embora, forçoso é dizê-lo, o senhor nem de tal se tenha apercebido até hoje, salvo se se recorda a discussão que ambos travaram diante do cadáver ainda quente de abel (p. 143).


Em seu romance de 2009, José Saramago se utiliza de recursos discursivos frequentes em seus textos. A ficção preenche lacunas de significação encontradas, nesse caso específico, pelo texto bíblico consagrado como versão oficial. Trata-se de um claro diálogo estabelecido com a Bíblia. No entanto, ao trazer Lilith para a narrativa, a discussão se amplia, pois coloca em pauta a validade de outras versões de histórias que sempre circularam no seio da cultura ocidental.
A representação imaginativa do cotidiano dos primeiros tempos bíblicos é outro procedimento que assemelha a presente obra a tantas outras, também de sua autoria. Da mesma forma, as personagens Lilith e Eva se apresentam como forças femininas, comparáveis a tantas outras criadas pelo romancista português em sua extensa bibliografia.
Por fim, merece destaque a presença de um narrador cuja voz nitidamente ecoa do presente, fazendo o leitor não se esquecer de que o texto lido tem autoria definida e não representa uma verdade dos fatos. É o que ocorre no trecho:

Que eles não disseram aquelas palavras, é mais do que óbvio, mas as dúvidas, as suspeitas, as perplexidades, os avanços e recuos da argumentação, estiveram lá. O que fizemos foi simplesmente passar ao português corrente o duplo e para nós irresolúvel mistério da linguagem e do pensamento daquele tempo. Se o resultado é coerente agora, também o seria na altura porque, ao final, almocreves somos e pela estrada andamos. Todos, tanto os sábios como os ignorantes (p. 47).


Em suma, vemos em Caim o autor de sempre: inteligente, cáustico, irredutível em suas convicções éticas. O que de passional pode haver nas discussões a respeito do romance são fruto certamente da escrita apaixonada e apaixonante de José Saramago.


Referências:

Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.

SARAMAGO, José. Caim. São Paulo, Cia das Letras, 2009.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Polêmica sobre o livro " Produção de Presença", de Hans Ulrich Gumbrecht



Nas últimas semanas, o caderno Prosa e Verso do jornal carioca O Globo vem abrigando uma interessante polêmica, iniciada a partir da publicação da resenha da professora Andrea Daher, ao livro do Produção de Presença, de Hans Ulrich Gumbrecht. Vale à pena acompanhar! Listo abaixo os links postados no interessantíssimo blog "Observatório da Crítica", desenvolvido por pesquisadores da UFBA. Para visualizar, basta copiar o link e colar no navegador. É possível imprimir a página ou fazer um download do arquivo em pdf. A imagem acima, com arte de Stéphanie Saramago, foi obtida em:
http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=7762&sid=55

Resenha de Andrea Daher - 19/02/11:
http://observatoriodacritica.com.br/resenhas/resenhas-de-andrea-daher/resenha-do-livro-producao-de-presenca-de-hans-ulrich-gumbrecht-por-andrea-daher/

Réplica de Hans Ulrich Gumbrecht - 26/02/11:
http://observatoriodacritica.com.br/polemicas/polemica-entre-andrea-daher-e-hans-ulrich-gumbrecht/resposta-de-h-u-gumbrecht-a-resenha-de-seu-livro-producao-de-presenca/

Tréplica de Andrea Daher - 05/03/11 :

http://observatoriodacritica.com.br/polemicas/polemica-entre-andrea-daher-e-hans-ulrich-gumbrecht/treplica-de-andre-daher-a-gumbrecht-o-globo-de-05-de-marco-de-2011/

Resposta de Gumbrecht à tréplica de Andrea Daher - 12/03/11:

http://observatoriodacritica.com.br/polemicas/polemica-entre-andrea-daher-e-hans-ulrich-gumbrecht/resposta-de-gumbrecht-a-treplica-de-andrea-daher/

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

NEI LOPES, CHICO BUARQUE, O SAMBA: EXERCÍCIO DE LEITURA...


Em meados de outubro de 2010, no dia em que os mineiros chilenos eram resgatados de seu prolongado cárcere subterrâneo, saí de casa, rumo a Cabo Frio, para participar como membro organizador das Tardes Literárias dentro da Festa Portuguesa, evento turístico naquele município. Naquele dia, tive a oportunidade de ser levado à Região dos Lagos no mesmo carro que um dos palestrantes, o intelectual brasileiro Nei Lopes.
Morador de Seropédica, município da baixada fluminense, sede da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, instituição na qual trabalho desde março de 2010, o carioca nascido e criado no bairro do Irajá brindou-me com uma agradável conversa, nas quase duas horas em que viajamos juntos entre as duas cidades fluminenses. Nei Lopes é o tipo de pessoa capaz de falar horas seguidas sobre os mais variados assuntos, sem ser repetitivo. Numa ocasião, assisti a uma aula sobre cultura negra por ele ministrada ao longo de uma manhã e uma tarde de sábado. No final, nenhum cansaço! Foi um sábado digno daquilo que uma aula deve realmente ser...
Depois da conversa na viagem, houve o almoço e mais tarde a palestra, sobre a influência do samba na sua literatura, e o café na manhã seguinte antes de seu regresso à casa. Em nenhuma das oportunidades, repito, cansei-me de ouvi-lo, pois a conversa é sempre fluente, as informações sempre novas. À noite, numa interessante mesa com o professor André Valente da UERJ, Nei afirmou ser a Bossa Nova uma das marcas da cultura brasileira no exterior e que o referido movimento musical brasileiro é nada mais que uma ramificação do samba. Assim atestam, por exemplo, os inúmeros títulos de canções da Bossa Nova que têm a palavra “samba” (do avião, de uma nota só...) contidas no seu título. Feliz constatação!
Pois bem. Guardemos a informação. Encerrada as eleições de 2010 havia não mais que dez dias, pego-me lendo numa revista semanal de ampla circulação no país há mais de 40 anos e me deparo, na seção “panorama”, com um quadrinho em que são listados semanalmente um “sobe e desce”. O que é isso? O leitor desavisado, ou pouco competente no ato de ler, como é infelizmente a realidade da maioria dos brasileiros, certamente suporá que o “sobe” contém o que houve de positivo na semana e que o “desce” registra o contrário. Tiremos nossas conclusões...
O “desce” daquela semana foi para a câmara dos deputados por ter concedido (transcrevo) “a Medalha Mérito Legislativo a João Pedro Stedile, líder do MST, a organização criminosa que promove terrorismo no campo”. Vai também para Franklin Martins, que - “ótima notícia para a verdade” – deverá ficar fora do governo Dilma e, por fim, para a maconha, cuja legalização foi rejeitada em plebiscito na Califórnia...
Já o “sobe” mencionava o nadador Thiago Pereira, ganhador da Copa do Mundo de Natação em piscina curta, e as reservas internacionais, que atingiram o maior valor da história. Por fim, a nota que mais me chamou a atenção. O alvo? Francisco Buarque de Hollanda.


Como Nei Lopes, Chico é um intelectual, brasileiro e carioca. Consagrado na música popular brasileira, como cantor e compositor, enveredou há muito tempo pelos caminhos literários e vem pouco a pouco sendo reconhecido como escritor. Nisso, as trajetórias das duas personalidades da cultura brasileira convergem. Divergem talvez apenas pelo fato de Nei Lopes, além de ser cantor, compositor e escritor, como Chico, ter formação jurídica e ser hoje um profícuo pesquisador autodidata da história da cultura negra, tanto no Brasil, quanto em toda a diáspora negra principalmente na América e também na chamada “antiguidade da África”.
Não é, no entanto, de Nei Lopes que me ocupo aqui. Nem é exatamente de Chico Buarque, senão da frase que o colocou no “sobe” daquela semana:

“Os jurados ainda nem se reuniram, mas já está tudo armado para o sambista carioca, autor do enredo Leite Derramado, ganhar o Prêmio Portugal Telecom no dia 8”.

A frase afirma “metaforicamente” que Chico Buarque “subia” naquela semana, não pelo prêmio Jabuti que conquistou havia alguns dias, muito menos pelo que representa para a história da cultura brasileira, mas pela “armação” (o termo provém do próprio texto) em nível internacional que faria com que o brasileiro ganhasse o prêmio português.
Prefiro ler, a partir dessa, outra mensagem, subliminar ao texto publicado. A conclusão a que chego é que (desastradamente?) foi veiculado um conteúdo ideológico no mínimo conservador (e míope – certamente não pelo seu conservadorismo), que acaba por (involuntariamente?) reforçar um pensamento preconceituoso a respeito das raízes da cultura popular brasileira.
Vamos lá. No texto, Chico é o “sambista carioca”, aquele mesmo, frequentemente associado à malandragem, sinônimo de improdutividade e de banditismo, quase sempre afrodescendente. São os velhos lugares comuns tão presentes numa certa mentalidade brasileira. Retorno a Nei Lopes para observar que o efeito pejorativo que o epíteto “sambista carioca” poderia emprestar à figura de Chico sai pela culatra. Por sua ligação com a Bossa Nova e com a própria MPB (ninguém precisa gostar dos movimentos musicais para perceber isso), Chico Buarque pode sim ser considerado um sambista. Curiosamente, não é a palavra “sambista” que vem à cabeça do senso comum quando se escuta o nome de Chico Buarque.
No entanto, se ele fosse apenas sambista, já seria uma maravilha, uma grande demonstração de afinidade com a cultura popular brasileira, ainda mais por ter ele a origem familiar que tem. Ora, ao referir-se ao músico como “sambista carioca”, autor de um “enredo” a ser premiado por uma manobra seja lá de que natureza, o texto apresenta todo o seu desprezo velado pela importância do samba e de toda a cultura popular desenvolvida por afrodescendentes ao longo do século XX, especialmente no âmbito da cidade do Rio de Janeiro.
O próprio termo “enredo”, utilizado como sinônimo de história contada, ficção, livro, soa-me como uma alusão depreciativa àquilo que fez com que um dos maiores fenômenos da cultura popular brasileira ganhasse a importância que têm hoje: as escolas de samba. Sim, porque são elas que anualmente desenvolvem na avenida um enredo, em um espetáculo único, conjugando artes plásticas, música, poesia e dança, que só se completa no seu todo durante o desfile. Não há como não constatar que, à semelhança do que ocorre com o boi no Amazonas, reunir milhares de figurantes, para contar uma história em pouco mais de uma hora de desfile, por meio da música e da dança, com um conjunto de pessoas que não se conhecem e muito pouco ensaiaram para que todo o espetáculo se dê por completo exclusivamente no momento do desfile, é algo extraordinário. Qualquer pessoa que conheça conceitos teóricos mínimos de literatura consegue perceber, em um desfile de escola de samba, toda a complexidade que envolve a representação mimética da realidade, como ocorre na literatura e em outras artes como o teatro, o cinema, a ópera.
Repito: parece-me inócuo tentar associar pejorativamente a imagem do escritor Chico Buarque a outras imagens como a do “sambista carioca”, pois isso só agrega valor à figura de um intelectual que há décadas demonstra o valor que tem.
Vamos talvez fazer de conta que não nos demos conta de que as associações feitas entre “sambista” e “malandro” ou “bandido” apontam em última instância para as imagens ainda pejorativamente correlacionadas à figura do próprio afrodescendente brasileiro.
De fato Chico Buarque ganhou o prêmio da Portugal Telecom dias após a publicação da revista. No entanto, se havia suspeita de que algo seria “armado”, como se afirma no caso do prêmio português, era melhor que se tivesse feito uma matéria jornalística a respeito disso...

Cláudio Capuano
(imagens da internet)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Professor Leodegário de Azevedo Filho: pequena homenagem


Soube por acaso ao longo dessa semana, que faleceu, no Rio de Janeiro, em 30/01/2011, o emérito de Literatura Portuguesa da UERJ, o professor Leodegário Amarante de Azevedo Filho.
Para os que estudaram Letras na UERJ nos anos 70, 80 ou 90, o nome do professor, e os eventos literários por ele realizados a cada ano, sempre em julho, por mais de três décadas, é bem conhecido. Para a comunidade das Letras brasileira e portuguesa também. No entanto, pouco se noticiou sobre o desenlace do camonista de 83 anos.

Depois que soube da notícia, lembrei-me de um amigo, professor e poeta “carioca de Arraial do Cabo”, e de uma história que ele me contou há tempos. Aluno do Leodegário nos anos 50 (acho), no Colégio Pedro II, o então “pupilo” admirou-se da constatação de que o Bocage de quem falava o mestre era o mesmo das piadas pornográficas... Pedi-lhe então um poema, um soneto, à moda de Camões. Pedido atendido, poema publicado neste blog, na primeira postagem de 2011! Valeu, Eraldo!


AO MESTRE
Eraldo Mai

Leodegário Amarante de Azevedo
Filho (completo nome), o professor
Que em sua diligência e todo o amor
Fez-me de Português jamais ter medo.

Muito ao contrário, desde muito cedo,
Despertou-me das letras o pendor,
Pela do Lácio a derradeira flor
O gosto, porque a via qual folguedo.

Lembra-me vivo sempre aquele dia
Em que, ginasiano, eu me encantava
Com o professor que a nós poemas lia.

Ouvi-lo ler Camões (que tanto amava)
Era pra mim motivo de alegria
E em mim mundos de sonhos despertava